Marcadores

segunda-feira, 10 de outubro de 2011

Jugo desigual

Hoje estava rolando no debate da Rádio 93FM um assunto bastante interessante e polêmico: Deve uma pessoa cristã se casar com um ímpio, por melhor que a índole dele pareça? Na esteira deste debate, o assunto que foi mais debatido foi a questão do jugo desigual: A que ele se refere e quais os comentários que a Bíblia tece sobre o caso. Como o tema é relevante e atual em nossas igrejas, resolvi tecer alguns comentários sobre ele.


Em primeiro lugar, precisamos ver que, ao longo do texto bíblico, as consequências de uniões entre pessoas do povo de Deus e pessoas ímpias são sempre desastrosas (Sansão Jz. 14 e 16, Salomão 1 Rs. 11, os israelitas que retornam do exílio com esposas dos povos da terra que não eram israelitas, Ed. 10). Paulo também desaconselha esta relação em 2 Co. 6.14. Jesus, especificamente, não se interessou neste assunto, comentando apenas sobre o divórcio, quando falou sobre o casamento terreno. Entretanto, ele comentou sobre a necessidade do homem de se misturar ao mundo e transformá-lo com seu testemunho e ações, em vez de se esconder, como um autêntico "crente 007".


Contudo, o debate levantou a questão: Seria o casamento entre pessoas com diferentes situações caracterizado como jugo desigual? Várias foram as abordagens, e aqui as discrimino, com minhas opiniões:


1. Padrões financeiros diferentes: Pode um rico casar com um pobre? Claro que pode! As dificuldades virão, é claro, mas podem ser vencidas. Alguns exemplos de dificuldades são: Uma pessoa humilde tendo que se adaptar para transitar na alta sociedade, uma família de posses que acusa o mais pobre de querer dar o "golpe do baú", uma família humilde que acusa o mais rico de querer apenas se aproveitar da filha mais humilde, encantando-a com presentes para levá-la pra cama.


2. Convívio e sociedade com ímpios: O convívio é recomendável, dentro de um certo limite. Especialmente com relação a família, concordo que deve se evitar confrontos desnecessários. Porém, a sociedade é mais problemática, por conta da índole de cada pessoa (apesar de sabermos que tem muito crente por aí que tem uma índole pior do que a do pior ímpio).


3. Religiões diferentes: O caso mais comum, em nosso país, é o marido católico e a esposa evangélica, mas o oposto também acontece. Neste caso, as dificuldades estão nos extremos relativos a doutrina. Para os católicos, uma pessoa só é salva se participar dos sacramentos da igreja católica. Somente isso já seria motivo de confusão. Além disso, muitos católicos não praticam a religião por acharem que a sua integração, por meio do batismo infantil, é garantia da sua salvação, o que os leva a evitar ir à igreja, ou que as suas boas obras suplantam a fé em Cristo. Desta forma, não possuem o interesse de ir à igreja no domingo, o que causa dificuldades, especialmente quando nascem os filhos (domingo de sol, para onde ir com os filhos, pra igreja ou pra praia? E o almoço de domingo? É impressionante como justo ESTE precisa ser na hora certa, em geral meio-dia. Qualquer outro dia, pode-se almoçar até as 4 da tarde, sem problema).


4. Denominações diferentes: Aqui temos outro problema, que na teoria parece ser simples, mas na vida real não é. Quando as denominações são assemelhadas (históricas, pentecostais, neopentecostais), o problema não é tão grave, pois as divergências de doutrina são pequenas. O problema é quando as denominações possuem divergências pesadas, como tradicionais e pentecostais ou neopentecostais. Neste caso, divergências históricas entre estes grupos (dons de línguas, teologia da prosperidade) são trazidas para dentro de casa, o que pode gerar conflitos. Quando os filhos crescem, então, os problemas se agravam, pois fica a dúvida sobre em qual igreja os filhos devem congregar. É geralmente nesta fase que os maiores debates sobre doutrina e costumes afloram.


Enfim, a conclusão a que se chegou no debate, e da qual compartilho, é a seguinte: Tirando a questão do casamento entre cristão e ímpio (não-cristão), não há jugo desigual. Porém, mesmo quando não há, deve-se ter cuidados sobre outros tipos de relacionamentos com divergências, para evitar-se conflitos.

quinta-feira, 6 de outubro de 2011

Debates teológicos: Miséria e pobreza "pegam"? (Teologia da Prosperidade)

Muitos não gostam de ouvir debates em rádios evangélicas. Dizem não ter utilidade, não acrescentar nada para suas vidas espirituais. Eu particularmente gosto, pois é nestes momentos que podemos ter um vislumbre das diversas crenças que pairam sobre nossa multiforme comunidade. Porém, é preciso se preparar, pois muitas vezes as revelações que são feitas nos chocam.


Ontem, um desses debates apresentou a dúvida de um ouvinte sobre ajudar o próximo. Segundo o rapaz, seu pastor o advertiu sobre abençoar um irmão mais necessitado na igreja, comentando que a situação ruim pela qual aquele indivíduo estava passando poderia “passar” para ele, se ele o fizesse. Ao longo do debate, todos os cinco pastores presentes foram contra esta visão, porém, no final, uma notícia surpreendeu: A pesquisa feita pela internet sobre o tema apresentou uma reviravolta: Enquanto 91% dos ouvintes diziam, antes do programa, que não acreditavam nesta ideia, ao final do debate, 77% dos ouvintes afirmavam crer neste absurdo (em tempo: o índice por telefone foi de 75% que não criam nesta doutrina, ao final do programa).


O fato de haver ao menos uma pessoa que acredita que a dificuldade de uma pessoa pode “passar” para outra nos mostra que os postulados da Teologia da Prosperidade estão se infiltrando cada vez mais em nossas igrejas. Um destes postulados diz que os problemas financeiros e/ou de saúde são provocados por espíritos malignos que agem sobre a vida da pessoa. Kenneth Hagin, o primeiro divulgador desta doutrina, já afirmava na década de 50 que, se houvesse uma suspeita de que este fosse o problema, bastaria uma sonora repreensão para liberar tudo aquilo que o cristão teria direito: "... tudo quanto você precisa fazer é dizer: 'Satanás, tire suas mãos do meu dinheiro'” (PIERATT, p. 58). Este discurso apresenta-se nas igrejas neopentecostais de hoje personificando a pobreza em um “espírito de miséria”, que precisa ser exorcizado da pessoa para ela poder usufruir da bênção divina (NUNES e ALMEIDA, p. 22).


Uma possível explicação para o resultado da pesquisa online é que o debate apresentou notícias de outros ouvintes, que disseram que ajudaram certas pessoas quando estavam por baixo e que, agora, estavam na mesma situação que a ajudada, com esta, agora por cima, nem olhando para elas. Entretanto, histórias coincidentes não podem ser usadas como base para formulações doutrinárias. Apenas a Palavra de Deus deve ser a base de nossas crenças.


O fato é que a Bíblia nos ensina que devemos sempre ajudar o próximo. Jesus nos ensinou que devemos amá-los como a nós mesmos e não se importou em ajudar quem lhe pediu, fosse leproso, endemoninhado ou pobre. Os discípulos também não se importavam com possíveis “transmissões demoníacas”, e Tiago nos mostra no capítulo 2 de sua epístola que nossa fé não vale de nada se não olharmos para a pessoa ao nosso lado e tratá-la com dignidade e respeito.


Porém, com relação à doutrina em si, a melhor resposta é o fato de que todo cristão, ao confessar Cristo como seu Senhor e Salvador, é selado com o Espírito Santo (Ef. 1.13-14). Este selo é definitivo (Hb. 7.25) e é como uma enorme luz, sobre quem as trevas não conseguem agir (Jo. 1.5, 3.19-21). Quando demônios agiram sobre a vida de pessoas na Bíblia, elas não conheciam a Deus e foram libertas e curadas pelo nome de Jesus, mas estas mazelas não envolviam pobreza diretamente (Lc. 11.14, Mc. 7.25-29). Além disso, o diabo não age diretamente na vida do cristão, mas sim através de armadilhas (Ef. 6.11), tentando fazer o cristão pecar e se afastar de Deus (Tg. 1.13, Mt. 4.1), pois não tem poder sobre o cristão (Ef. 1.20-23). E mais: Em nenhum momento a Bíblia coloca a culpa da miséria e da desigualdade social sobre o diabo, e sim sobre o pecado do próprio homem (Os. 4.6, Mq. 2, Am. 2.6-16, 4.1-2).


A moral da história é: Não acredite em tudo o que as pessoas disserem a você, mesmo os pastores, bispos e especialmente os apóstolos de hoje. Façam como os crentes de Bereia, que, mesmo recebendo ensinamentos do próprio apóstolo Paulo, corriam às escrituras para conferir se o que ele pregava estava de acordo com a Palavra de Deus.

Jesus, meu melhor amigo... Amigo?!

Uma das coisas que mais gosto de fazer quando estou no trânsito é ouvir debates teológicos nas rádios. Faço isso não porque eu goste das respostas ou do nível intelectual das discussões, mas sim porque é uma ótima forma de analisar o estado do cristianismo evangélico atual. A cada dia que faço isso, fico mais e mais chocado sobre os caminhos que estamos seguindo. São pequenos detalhes, pequenas colocações, detalhes que podem passar imperceptíveis mas que nos ajudam a entender o quadro completo e sistêmico do cristianismo brasileiro atual.

Dia desses, ouvindo esta rádio, pude pescar um destes pequenos detalhes. Um pastor, de igreja conhecidamente neopentecostal, mencionou que Jesus queria ser o "melhor amigo" daquele que não cresse nele. Ao ouvir isso, rapidamente percebi que ele não comentou sobre o Cristo "Salvador", muito menos o Cristo "Senhor". Não. Para aquele pregador, a ênfase para apresentar a Jesus foi a de mostrá-lo como uma futura amizade para aquela pessoa.

Ao ouvir isso, comecei a pensar nas possíveis implicações desta visão diminuída de Cristo por parte dos cristãos de hoje. São muitas, que gostaria de aumentar com o tempo. As que me vieram à cabeça são:

1. O Senhor ordena, o amigo sugere: Jesus, em diversos momentos, ordenou que seus discípulos fizessem algumas coisas, como sair por todo o mundo e fazer discípulos (Mt. 28.19), agir com bondade perante o próximo (Mt. 5.16, 22, 24, dentre tantos outros) e amá-lo como a si mesmo (Mt. 22.39), amar a Deus sobre todas as coisas (Mt. 22.37), não amar as riquezas (Mt. 6.24, 13.22). Vê-lo apenas como um amigo pode fazer com que vejamos a Ele como alguém que sugere que façamos algo, mas que não precisamos levar muito a sério se não quisermos.

2. O Senhor faz a Sua vontade, o amigo faz a vontade do outro: Jesus veio ao mundo por vontade do Pai para nos salvar (Jo. 3.16) e tem uma vontade que é boa, perfeita e agradável para nós (Rm. 12.2), que pode nos parecer incompreensível, mas tem final glorioso (1 Co. 2.9). É desejo do Senhor que façamos a vontade de Deus (Mc. 3.35). O amigo, porém, apenas pensa em ajudar o outro a ter aquilo que ele quer. Esta visão é muito reducionista e elimina completamente a ideia de que os desígnios e vontade de Deus são o que há de melhor para nós.

3. O Senhor diz não, o amigo diz sim: Sabemos que, dentro da vontade de Deus, podemos ter nossos pedidos e anseios negados, pelo simples fato de não serem o melhor para nós. O amigo, porém, sempre nos dirá sim, pois ele quer nos ver alegres. É outra forma simplista de entender a ação de Cristo em nossas vidas.

4. O Salvador liga o homem ao futuro, o amigo ao presente: A missão salvífica de Cristo não foi para este mundo, mas para o porvir (Jo. 18.36, Mt. 6.20).

5. O Salvador santifica, o amigo aceita como está: Talvez o maior perigo que podemos enfrentar nesta visão: Enquanto o processo salvífico busca transformar a vida da pessoa (1 Pd. 1.16, Cl. 1.12, Ef. 5.3), a visão de um Cristo amigo leva o homem a ver um Jesus que aceita perfeitamente a pessoa como ela está sem exigir mudança de comportamento. Jesus passa a ser apenas um meio de graça para a pessoa, ou seja, passa a ter o mesmo papel dos santos católicos.

Existem muitos outros argumentos que podem ser levantados, e mesmos estes podem ser contra-atacados (que tal a ideia de que há amigos mais chegados que irmãos?). Porém, o fato é que substituir o Cristo Salvador e Senhor pelo Cristo Amigo é uma redução do papel de Jesus em sua vinda à Terra que nos preocupa e ajuda a entender a aceitação destas igrejas pelas pessoas.