Enquanto uma passagem supostamente afirma (segundo Silas) que podemos ofertar com a promessa de prosperidade financeira plena, outras afirmam exatamente o contrário, que não devemos enfatizar a prosperidade financeira! Tem alguma coisa errada aí! Será que Silas Malafaia está pregando algo correto à luz do contexto bíblico? Será que Deus ficaria preso na condição de obrigação em recompensar financeiramente quem oferta?
2Co 9.1-15 pode ser o “melhor compêndio” sobre o assunto conforme ele afirma, porém não é o único, principalmente no Novo Testamento! Não se pode interpretar uma passagem isolada de outras que tratam do mesmo assunto (regra básica de hermenêutica).
Quando desfragmentamos os versículos isolados que Silas utiliza e analisamos a luz do contexto imediato desta passagem, veremos facilmente que o foco de Paulo não é a prosperidade financeira para os crentes em resposta ao ato de ofertar, mas sim a necessidade de ajudar financeiramente - com alegria e deliberadamente - os irmãos mais pobres. Paulo usa como exemplo aos Coríntios (uma igreja com membros financeiramente estáveis) de como os irmãos macedônios foram generosos nas ofertas enviadas à igreja de Jerusalém. Mesmo com sérias limitações financeiras (profunda pobreza, 2Co 8.2) eles tiveram alegria em ajudar os irmãos pobres. Este exemplo deve ser aplicado a nós nos dias de hoje com total significância. Porém, não com o objetivo de barganhar com Deus, esperando algo em troca.
Uma pergunta que devemos fazer: será que as ofertas e desafios financeiros que, tanto Silas Malafaia, quanto os demais tele-pastores fazem em seus programas são destinados aos pobres da Igreja? Não, pois eles categoricamente afirmam qual é o destino do dinheiro doado em suas coletas: sustentar os programas de TV (valores milionários), viagens nacionais e internacionais, mega-cruzadas caríssimas, jatinho particular etc. Posso estar errado, mas eu nunca vi Silas fazendo um desafio financeiro para ajudar os pobres da Igreja.
Continuando a análise ao vídeo, Silas comete outro erro grave: ao citar 2Co 9.4, ele afirma que “a oferta tem sólida base no mundo espiritual”. Para chegar a esta conclusão, ele utiliza a tradução bíblica Almeida Corrigida Fiel onde diz na parte final “...firme fundamento de glória”[4]. Porém, ao analisar melhor outras traduções da bíblia (inclusive o grego original), bem como o contexto direto (vs 1 a 4), veremos exatamente o que Paulo afirma: “Não tenho necessidade de escrever-lhes a respeito dessa assistência aos santos. Reconheço a sua disposição em ajudar e já mostrei aos macedônios o orgulho que tenho de vocês, dizendo-lhes que, desde o ano passado, vocês da Acaia estavam prontos a contribuir; e a dedicação de vocês motivou a muitos. Contudo, estou enviando os irmãos para que o orgulho que temos de vocês a esse respeito não seja em vão, mas que vocês estejam preparados, como eu disse que estariam, a fim de que, se alguns macedônios forem comigo e os encontrarem despreparados, nós, para não mencionar vocês, não fiquemos envergonhados por tanta confiança que tivemos.”(NVI, grifo meu)
Portanto, concluímos facilmente duas coisas: primeiro, que não se deve fazer uma exegese profunda em um texto bíblico considerando somente uma tradução da bíblia; segundo, que a passagem em si não há, absolutamente, nada de super sobrenatural como Silas afirma, mas a passagem narra a demonstração de confiança e orgulho que Paulo tinha pelos crentes de Corinto, na certeza dos mesmos ajudarem através das ofertas os irmãos pobres da Judéia, conforme fizeram os irmãos da Macedônia.
Mais um erro teológico de Silas: Ele cita, estranhamente de forma fragmentada parte de 2Co 9.5, onde diz “...e preparassem de antemão a vossa bênção” [negrito meu], afirmando que a palavra “benção” nesta passagem significa “um meio de receber favor Divino e meio de felicidade”. Ou seja, segundo Silas, em resposta a oferta haverá uma ação direta de Deus em abençoar os ofertantes! Isto é uma distorção forçada do texto, pois no contexto direto a palavra benção está direcionada a uma ação direta dos ofertantes aos que receberiam as ofertas! Embora reconheça que Deus pode, segundo a vontade Dele, abençoar a vida financeira de quem ajuda, não é o que este versículo em si afirma. Os “abençoados” são os que recebem as ofertas e não os que ofertam!
Veja a mesma passagem em outra tradução: “...concluam os preparativos para a contribuição que vocês prometeram. Então ela estará pronta como oferta generosa, e não como algo dado com avareza.” (NVI, negrito meu) No original grego, a palavra utilizada é eulogia (benção), empregada neste contexto como "generosidade" [5]. Lembrando que o significado da palavra “benção” é variável, no caso desta passagem se enquadra na definição de “expressão ou gesto com que se abençoa. Benefício, favor especial.” [6]
Continuando, Silas cita 2Co 9.10 “Ora, aquele que dá a semente ao que semeia, e pão para comer, também multiplicará a vossa sementeira, e aumentará os frutos da vossa justiça”, afirmando que Deus nos dá a semente para ofertar. Está correto! Afinal, Deus é o provedor de tudo, o homem não dá do que é propriamente seu, e sim daquilo que Deus lhe tem dado (veja At 17.25). Mas, para quê serve esta semente que Deus nos dá? Para sustentar ministérios milionários de tele-pastores que cada vez mais ficam ricos para esbanjar “prosperidade”, em troca de uma suposta benção financeira sobrenatural? Não!
A semente que provém de Deus é para ajudar os pobres da igreja para que todos sejam abençoados e Deus seja glorificado! Veja o contexto direto no versículo 9: “Como está escrito: Distribuiu, deu aos pobres, a sua justiça permanece para sempre” (ACF, negrito meu), uma citação que Paulo faz de Salmos 112.9 para mostrar que a generosidade à quem precisa é característica de todo Cristão. Deus abençoa a nossa vida para “aumentar os frutos da nossa justiça”(vs9), para “toda a generosidade”(vs11) e para “suprir as necessidades dos santos” (vs10). Ou seja, Deus pode, segundo a vontade Dele, prover em nossas vidas quando ajudamos os pobres da Igreja, principalmente para aumentar a possibilidade desta ajuda continuar cada vez mais: “Nisto conhecemos o amor: que Cristo deu a sua vida por nós; e devemos dar nossa vida pelos irmãos. Ora, aquele que possuir recursos deste mundo, e vir a seu irmão padecer necessidade, e fechar-lhe o seu coração, como pode permanecer nele o amor de Deus?” (1Jo 3.16-17, ARA)
Mais um erro de Silas: Ele cita parte do VS 12 “...porque a administração deste serviço”, para afirmar que a oferta é um serviço para Deus. Logo em seguida, ele cita 1Co 15.58 que diz “que o nosso trabalho não é em vão” para afirmar que, se é um trabalho, Deus vai recompensar. Ainda cita Jr 21.14 que diz “o Senhor recompensará a cada um segundo o fruto das tuas ações”. E termina afirmando que: “se a oferta é um serviço para Deus, Ele vai nos recompensar da mesma forma que alguém trabalha e tem que receber salário.”
Errado Pr. Silas! O contexto de 1Co 15.58 em nenhum momento é formalizado um contrato de trabalho entre nós e Deus com promessa de honorários financeiros, muito pelo contrário, fala da esperança que os Coríntios deveriam ter no dia da ressurreição para continuarem perseverando na fé, mesmo sob ensinos falsos e várias tentações, sabendo que os esforços para o serviço à Deus nunca será em vão (veja Is 65:17-25).
Segue o contexto direto da passagem em questão: “Isto afirmo, irmãos, que a carne e o sangue não podem herdar o reino de Deus, nem a corrupção herdar a incorrupção. Eis que vos digo um mistério: nem todos dormiremos, mas transformados seremos todos, num momento, num abrir e fechar de olhos, ao ressoar da última trombeta. A trombeta soará, os mortos ressuscitarão incorruptíveis, e nós seremos transformados. Porque é necessário que este corpo corruptível se revista da incorruptibilidade, e que o corpo mortal se revista da imortalidade. E, quando este corpo corruptível se revestir de incorruptibilidade, e o que é mortal se revestir de imortalidade, então, se cumprirá a palavra que está escrita: Tragada foi a morte pela vitória. Onde está, ó morte, a tua vitória? Onde está, ó morte, o teu aguilhão? O aguilhão da morte é o pecado, e a força do pecado é a lei. Graças a Deus, que nos dá a vitória por intermédio de nosso Senhor Jesus Cristo. Portanto, meus amados irmãos, sede firmes, inabaláveis e sempre abundantes na obra do Senhor, sabendo que, no Senhor, o vosso trabalho não é vão.” [1Co 15.50-58, ACF, negrito meu].
E sobre Jeremias 21.14, veja o que diz: “Eu vos castigarei segundo o fruto das vossas ações, diz o SENHOR; e acenderei o fogo no seu bosque, que consumirá a tudo o que está em redor dela.” (ACF) O texto fala de castigo e não de recompensa financeira! Que distorção bíblica grosseira Pastor Silas!
Dando continuidade na análise do vídeo, Silas agora discorre para os resultados na vida de um ofertante. Logo de cara ele afirma que “Deus trabalha com a lei da recompensa”. Para tal afirmativa, ainda divide esta lei em “5 leis que funcionam na vida de um ofertante”. Chamo a atenção para algo gravíssimo: colocar a condição de lei para Deus é neutralizar a onisciência Dele! É afirmar que Deus trabalha somente em troca do nosso dinheiro! Afinal, se temos que cumprir esta lei, Deus também tem o dever de cumpri-la. Estaria Deus amarrado em uma condição humana?
Para a 1ª lei, Silas utiliza 2Co 9.6 afirmando a “lei da semeadura”: “E digo isto: o que semeia pouco, pouco também ceifará; e o que semeia em abundância, em abundância também ceifará.” Esta passagem está em conexão com todo o contexto direto, no qual já tratamos nesse artigo (veja explicação acima sobre os versos 9 e 10).
Se esta suposta lei da semeadura financeira funcionasse como Silas afirma, porque existem cristãos pobres que precisam de ajuda da própria Igreja? Falta de fé para ofertar o que não tem? Porque então Paulo organizou esta coleta de ofertas aos Pobres da Judeia, ao invés de fazer um desafio financeiro para eles serem abençoados com a lei da semeadura? Inclusive o próprio Paulo passou por muitas necessidades ( Fp 4.10-20, 2Co 11.27). Porque Jesus se fez pobre durante seu ministério na terra (2 Co 8.9) não tendo sequer aonde reclinar a cabeça (Mt 8.20)? Porque Jesus também disse que dificilmente entraria um rico no reino dos Céus (Mt 19.23-24), e ainda disse para não juntar tesouros na terra, mas no Céu (Mt 6.19-24)? Estaria Paulo pregando uma teologia contrária à Bíblia e entrando em contradição consigo próprio? Claro que não! A teologia contrária a Bíblia é a que Silas Malafaia tenta defender sem êxito.
Paulo cita esta metáfora baseada na vida agrícola para mostrar que, aquilo que é doado nunca se perde, é semeado. Embora Deus, às vezes, proveja uma colheita generosa no terreno físico, principalmente para aumentar as possibilidades de ajuda aos pobres da Igreja, esse não é o padrão e nem é a promessa do Novo Testamento, muito pelo contrário, veja: 2 Co 8:9, 11:27, Lc 6:20-21, 24:25, Tg 2:5.
Tentando justificar a demora na “colheita” de muitos, Silas ainda faz uma analogia entre o tempo de cumprimento da “lei da semeadura” com as sementes de frutas naturais. Dentre várias frutas, ele cita tamarindo, uma fruta que demora até 60 anos para começar a dar frutos. Com isso, ele justifica que pode demorar muito para alguém receber o pagamento da tal “lei da semeadura”. Ou seja, o que você ofertar, talvez nem receba de Deus nesta vida. Na verdade, trata-se da famosa "desculpa espiritual" dos adeptos da teologia da prosperidade para os que não receberam a sua colheita, mesmo depois de ofertar. Engraçado que na hora dos desafios televisivos é exaustivamente enfatizado que Deus vai nos abençoar, que vamos colher cem vezes mais, que vamos ter uma vida próspera, que vamos pagar nossas contas e ter prosperidade em abundância etc.
Na 2ª lei, Silas cita 2 Co9.7 onde diz “...porque Deus ama a quem dá com alegria”, o que seria a “lei do amor de Deus sobre o ofertante”. Logo após, solta uma pérola histórica: “você não vê Deus usando essa palavra de amor pra salvação” E ainda pede para avisá-lo se alguém souber de outra passagem bíblica que utiliza esta expressão de amor de Deus, pois ele não sabe de tudo da Bíblia.
Sinceramente, alguém que faz tal afirmação deixa-me mais desconfiado ainda do quanto a pessoa é desprovida de conhecimento Bíblico, veja: Jo 3.16 “Porque Deus amou o mundo de tal maneira que deu o seu filho unigênito para que todo que Nele crê não pereça, mas tenha a vida eterna”. (negrito meu) Leia também 1Jo 4.9 e Rm 5.8.
A 3ª lei, segundo Silas, consta no versículo 8, onde diz: “Deus pode fazer-vos abundar em toda graça, a fim de que, tendo sempre, em tudo, ampla suficiência, superabundeis em toda boa obra,”(ARA) o que seria a “lei total do favor de Deus, a graça”. Silas afirma – corretamente – que a graça é o favor imerecido, benevolente e amoroso de Deus para o homem. Mas comete um erro gravíssimo afirmando que “a oferta chama a graça de Deus para nós”. Ora, se a graça é um favor imerecido, como pode ser merecido ao mesmo tempo?
Para piorar, segundo este pensamento Silas afirma que através da oferta nós podemos obter soluções de problemas emocionais, curas e soluções de problemas financeiros. Enfim, erros gravíssimos e infantis que nem um aluno novo de Escola Bíblica dominical confunde.
O versículo em questão não dá margem para esta interpretação incorreta. No verso 8 diz que Deus pode nos abençoar para sermos um instrumento de sua graça, fazendo que tenhamos o suficiente para continuar ajudando os pobres. Quando os santos carentes recebem uma generosa doação de outros crentes, eles reconhecem que Deus é a fonte da generosidade, reconhecendo o dom inefável de Deus (vs 15). E assim eles respondem com ações de graças e louvor a Deus por Sua graça em suas vidas (v. 11). E isto acontece segundo a vontade Dele e não por nosso merecimento. Nós não merecemos e nunca vamos merecer a graça Dele, é Ele quem nos ama e nos concede a sua graça, segundo o Seu querer.
A 4ª lei que Silas cita, segundo 2Co 9.9 é a “lei da multiplicação”, que na verdade é o mesmo que a “lei da semeadura”. Ou seja, a refutação para a 1ª lei serve para esta 4ª lei também.
Enfim, a 5ª lei. Silas cita o verso 11 que diz “para que tudo enriqueçais para toda a beneficência, a qual faz que por nós se dêem graças a Deus”, para fundamentar a “lei da abundância”. Com isso, Silas afirma que Deus é um Deus de sobra, sem mesquinharia.
Obviamente, ele utiliza este argumento para justificar a suposta abundância da teologia da prosperidade. Mas, ao contrário que ele afirma, o que esta passagem mostra é que, quando Deus nos dá uma provisão financeira, mesmo sendo com sobras, não é para o proveito próprio, e sim para ser usada em generosidade aos necessitados, para a glória de Deus. O versículo é claro quando afirma “...para toda a beneficência”(ACF), “para toda generosidade”(ARA). Veja como viviam os convertidos naquela época: “Todos os que creram estavam juntos e tinham tudo em comum. Vendiam as suas propriedades e bens, distribuindo o produto entre todos, à medida que alguém tinha necessidade.” (At 2.44-45, ARA) Este conceito de abundância financeira é, de fato, o mais claro sinal de avareza na vida de alguém: “Tende cuidado e guardai-vos de toda e qualquer avareza; porque a vida de um homem não consiste na abundância dos bens que ele possui” (Mt 12.15, ARA)
Silas ainda cita exemplos do que aconteceu com Adão e Eva no jardim do Éden e a prosperidade de Abraão para afirmar que Deus fará o mesmo com quem ofertar. Isto é um absurdo! Afinal, estes são casos isolados em que Deus agiu com um propósito específico e exclusivo para cumprir os seus planos! Por exemplo: não é porque Deus sustentou o povo no deserto enviando o maná dos céus (Ex 16:35) que ele fará o mesmo hoje da mesma forma conosco. Vai deixar de trabalhar esperando o maná para ver o que acontece!
Para terminar, mostro na Bíblia a verdadeira prosperidade para o Cristão:
"Também, irmãos, vos fazemos conhecer a graça de Deus concedida às igrejas da Macedônia; porque, no meio de muita prova de tribulação, manifestaram abundância de alegria, e a profunda pobreza deles superabundou em grande riqueza da sua generosidade. Porque eles, testemunho eu, na medida de suas posses e mesmo acima delas, se mostraram voluntários". (2Co 8.1-3).
Antigamente, Silas Malafaia concordava que esta passagem nos mostra a verdadeira prosperidade bíblica, veja o que ele disse muitos anos atrás: "Os pobres da Macedônia dividiram o pouco que tinham com os pobres da Judeia. Isto é prosperidade. Prosperidade é você compartilhar com o outro... é viver bem com aquilo que Deus tem te dado... é mesmo você tendo pouco, você ainda tem forças e capacidade de ajudar alguém que está pior do que você." [7]
Fico na esperança de que esse artigo sirva de alerta para todos aqueles que ainda acreditam na teologia da prosperidade, onde infelizmente nos últimos anos muita gente se corrompeu, contaminando-se nas heresias importadas da teologia de Mamon.
Espero de coração que Silas Malafaia se arrependa verdadeiramente, voltando ao evangelho puro e verdadeiro. Não existe nada mais nobre para um Cristão do que assumir sua condição de pecador e humildemente reconhecer os seus erros para nunca mais praticá-los.
Soli Deo Gloria!
Ruy Marinho