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sábado, 4 de fevereiro de 2012

Diários de um pastor: A crise de identidade

Muita gente não sabe, ou prefere não acreditar, mas é fato que os pastores são seres humanos, como todos os outros. Por mais que se acredite que eles sejam ferramentas usadas por Deus para abençoar o seu povo escolhido pela face da Terra, eles enfrentam as mesmas vicissitudes que todos os demais. O problema é que o homem acaba cedendo espaço para o título, e isso acaba trazendo enormes consequências.

Primeiro, o maior conflito de um pastor é lidar com seu próprio ego. Quanto mais as pessoas falam que ele foi usado por Deus para lhe trazer uma palavra abençoadora, uma revelação especial divina, mais isso toma conta da sua vida e de sua personalidade. O homem começa a acreditar e confiar que realmente é alguém especial e, no processo, pode transferir para si uma responsabilidade que vem do alto. É neste momento que o pastor começa a tomar decisões com base não na Palavra de Deus, mas no seu entendimento, sua opinião, sua compreensão do ocorrido. Neste ponto, os homens tornam-se inquestionáveis, e passam a usar em seu jargão palavras como "traição" e "rebeldia" para tratar aqueles que ousam discordar de suas visões ou postura. 

Não só isso, a figura que as ovelhas fazem de que o pastor é um homem santo, perfeito, exemplo de vida espiritual e social, faz com que o ministro do evangelho enfrente seus defeitos e posturas humanas falhas de forma conflitante. Alguns ignoram seus problemas, acham que não estão errados, pois são homens santos, perfeitos, porque leem a Bíblia, louvam a Deus e trabalham para o Senhor mais do que todos. Outros entram em crise, pois não conseguem compreender como, após terem passado por tantas lutas e após terem estudado tanto e se preparado para o ministério, podem ainda se ver tentados pelas mesmas banalidades que a ovelha comum. 

Outra consequência da transformação do homem no título é a transferência, por parte da igreja, da responsabilidade que o ministro recebeu ao assumir o pastorado para a sua família. Exige-se da esposa e dos filhos do pastor posturas e comportamentos que estejam acima do padrão. Algumas comunidades exigem que a esposa do pastor adote responsabilidades que cabem a ele, como aconselhamento e visitas, ou que ela assuma cargos de liderança, como o louvor, o ministério infantil ou o evangelismo. Para os filhos, não existe perdão: Qualquer escorregão, qualquer defeito, qualquer desvio de conduta, eles são execrados sem a menor piedade. E sobra pro pai, que não soube conduzir a sua casa, violando a santidade do texto de 1 Timóteo 3.

O fato é que, em um relacionamento saudável entre igreja e pastor, todos devem ter consciência de alguns fatores:

1. O pastor é um homem, sujeito a Deus e ainda pecador: De todos os lados, deve-se lembrar que o pastor é um homem como outro qualquer, apenas separado para realizar um ministério mui nobre na comunidade. Seu dever não é ser perfeito, é ser exemplo. E não há melhor exemplo para a igreja do que um pecador arrependido que se mostra em suas falhas e fraquezas e revela que passa pelas mesmas lutas que a comunidade. É difícil este tipo de relação, nos dias de hoje. Porém, é um comportamento muito mais nobre e honesto, de todas as partes.

2. O pastor é uma ferramenta nas mãos de Deus, mas não é Deus: Cada pessoa tem um espaço no corpo de Cristo. Há diversos ministérios. Todos, porém, estão sob a liderança de Cristo, que é a cabeça da igreja.  O pastor é apenas mais um destes ministros. Estuda muito para isso, separa a sua vida para esta missão e merece respeito, atenção e carinho por isso. Porém, ele não é Deus. É sujeito a falhas, e tanto os pastores quanto as ovelhas precisam entender isso.

3. A família do pastor é uma família como outra qualquer, e não é o pastor: Muitas igrejas exigem que a esposa do pastor seja uma pastora, que os filhos do pastor sejam perfeitos e exemplares, pequenos líderes. Porém, esta não é a função deles. Se fosse assim, cada igreja deveria dobrar os vencimentos pastorais, pois exige o trabalho de duas pessoas (pastor e esposa), bancando apenas uma. A esposa do pastor deve ser, primeiramente, apenas a esposa do pastor. Sua ajudadora, conselheira, confidente e cara-metade. Sua amada, sua amante, sua beldade. O que vier além disso (liderança, ministérios, atividades) deve partir única e exclusivamente do coração da moça, do seu relacionamento pessoal com Deus. Da mesma forma, no caso dos filhos: Devem ser vistos como crianças e adolescentes normais, sujeitos às mesmas falhas e tropeços que outros jovens da igreja. Devem ser tratados com a mesma paciência e amor a que se trata os próprios filhos, com zelo e carinho. 

Bem, é isso. Legislar contra a causa própria é bem curioso. Seria mais fácil eu pegar versículos e provar que o pastor é um ser especial, a quem todos devem obediência, reverência, sujeição e adoração. Mas eu vivo segundo minha consciência de pecador miserável e sob a égide da Palavra de Deus, que me mostra que não  sou imune às dores e tentações desta vida. Se sou o que sou, é porque Cristo morreu por mim, Deus me deu capacidade e me abençoa até hoje, usando-me apesar de minhas falhas e fraquezas para ajudar em sua obra. Eu o louvo a cada dia por isso e peço que nunca me deixe crer que sou mais do que sou: Uma ferramenta, e não o construtor. 

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