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sexta-feira, 3 de fevereiro de 2012

Diários de um pastor: Lidando com a fatalidade

Não há uma pessoa que não saiba que caiu um prédio no Centro do Rio de Janeiro. O que poucas pessoas sabem é que, da sala onde trabalho, tinha vista do edifício que tombou. Nunca foi um edifício notável, se perdia no mar do concreto do Rio de Janeiro. Por isso, nunca prestei atenção nele, até o fatídico evento. Frequentei a rua, cheguei a almoçar algumas vezes no prédio ao lado (O Almirante Barroso 6, que andou estalando, dia desses, e pode ser condenado). Nunca havia observado que o prédio tinha janelas extras ou que havia obras que atravessavam suas paredes de lado a lado.

Porém, quando ele tombou, uma pergunta sempre surge: O que, ou quem, causou a tragédia? É difícil obter uma resposta. Certa vez, quando questionado sobre os motivos que levaram um jovem de sua igreja a falecer em um acidente de avião, um sábio e respeitado pastor do meio batista só conseguiu responder uma coisa: Fatalidade. O problema é que o conceito de fatalidade não se coaduna com as teologias reinantes sobre a organização do cosmos.

Para uma pessoa que confia que Deus é soberano e reina sobre a Terra e todas as coisas, é muito difícil aceitar que ele permita que um prédio caia e mate inocentes, ainda mais servos Dele. Vários apostatam da fé aqui, por acharem que Deus foi injusto ou mau ao permitir o que aconteceu. Não conseguem aceitar que Deus pode permitir que a desgraça toque no homem para provar-lhe a fé, por maior que seja a dor aos nossos olhos. Esquecem-se da dor de Jó, que perdeu filhos, bens e saúde, mas nunca renegou seu Deus, mesmo sob críticas da esposa.

Outros pensam que foi obra do diabo, com intenções distintas. Hoje, vi na internet uma notícia onde um exorcismo na IURD teria mostrado um demônio relatando que causou a destruição do prédio para punir um ex-obreiro da igreja e carregá-lo ao inferno. Para este grupo, pertencer à comunidade (mais especificamente à sua própria comunidade) é a única salvação contra os males deste mundo. Tais pessoas deveriam ler as credenciais do apostolado de Paulo em 2 Coríntios, 11.23-30 para ver que pertença à igreja e desgraça ou sofrimento não são congruentes. Paulo foi um dos homens mais abençoadores e usados pelo Espírito Santo na história da igreja. Sofreu por pregar o evangelho audaciosamente aos gentios. Foi perseguido por romanos, judeus e gregos, pagãos e religiosos, filósofos e membros do povo.

Mas, então, o que causa situações com a queda do prédio, ou uma queda de avião como o voo da TAM, ou um acidente com um ônibus espacial? Em minha visão meio-arminiana, onde acredito que o homem tem liberdade para fazer o que quer, independente de Deus, só consigo imaginar que a culpa destas fatalidades está no pecado estrutural da sociedade, que permeia o homem e leva a situações limite que causam as dificuldades que encontramos. O prédio caiu, muito provavelmente, por uma obra mal feita em um dos andares. O avião da TAM que ia pra Paris caiu por uma falha de planejamento de um equipamento de medição de velocidade e altitude. O ônibus espacial explodiu porque uma peça no tanque de combustível congelou, o que não teria acontecido se o voo não tivesse sido liberado em um dia de temperatura muito baixa.

Todas estas questões são causadas por decisões erradas que homens falhos tomaram, por motivos que não temos como conjecturar, para não incorrer em injustiças ou leviandades. Contudo, é fato que foram decisões apressadas, sem se pensar nas demais pessoas que seriam impactadas pelas escolhas feitas. Faltou, aqui, amor ao próximo, infringindo um dos dois mandamentos nos quais Jesus disse que a Lei se condensava. Sim, pois dificilmente uma pessoa que amasse o próximo como a ele mesmo tomaria uma decisão caso soubesse que ele próprio poderia sofrer as consequências.

Como sempre digo, o pecado da humanidade foi querer viver de forma independente do Senhor. Ao desobedecer suas ordens no Éden, quis ter para si um atributo divino, o do conhecimento do bem e do mal. Ao começar a pensar com sua própria mente, conquistou uma vitória incompleta, pois, sem a onisciência divina, suas escolhas são limitadas e falhas. Além disso, a forma como a sociedade de hoje incentiva e idolatra a individualidade leva as pessoas a fazerem as coisas pensando apenas em seus próprios benefícios, em vez de fazerem algo pensando se irão prejudicar a pessoa ao seu lado.

Por isso, sempre que vejo uma situação como a do prédio que desabou, consigo me permitir a revolta interna e a indignação. Mas não a direciono para Deus ou para o diabo, e sim ao homem, pecador e egoísta, capaz de fazer barbaridades apenas para satisfazer seus anseios e ambições.

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