Nos últimos dias, o mundo evangélico tem sido assolado por um debate que teima em aflorar de tempos em tempos: A tolerância religiosa. Graças a duas reportagens, uma da revista Época e outra do conhecido jornal The New York Times, tem-se acendido uma fogueira de vaidades curiosa, onde nenhum dos lados reconhece suas falhas.
Tudo começou com uma pequena reportagem no site da revista Época sobre um diálogo que teria ocorrido entre a jornalista Eliane Brum e um taxista evangélico, após sua chegada na cidade de São Paulo. Neste diálogo, a repórter se mostra ofendida por ter sua fé no nada (ela é ateia convicta) questionada pelo taxista e pela tentativa pobre de evangelização por parte dele. No diálogo, a jornalista mostrou-se chateada porque o motorista tentou tirar a sua "não-fé", enquanto ela não estaria tentando tirar a sua fé. O diálogo completo e o comentário da autora pode ser lido clicando aqui.
Apesar das opiniões da jornalista serem bem centradas e coerentes, ela irritou alguns setores do meio evangélico, em especial o líder mais controverso dos dias de hoje, Silas Malafaia, pastor da Assembleia de Deus Vitória em Cristo. Malafaia, que tem sido centro da controvérsia neopentecostal nos últimos anos devido a sua adoção de campanhas de semeadura de oferta em troca de bênçãos divinas, chamou a jornalista de "vagabunda" diversas vezes durante uma entrevista dada por ele ao jornal The New York Times, que erroneamente o caracterizou como o líder máximo da igreja evangélica nacional. Este comentário levou a própria jornalista a responder dizendo que Malafaia comprovou o acerto e a relevância de seu artigo.
Esta confusão tem gerado muitas palavras de apoio por parte da sociedade à jornalista, porém mostra apenas uma face do debate. É verdade que o movimento evangélico tradicionalmente não é tolerante a outras correntes religiosas e tem muitas dificuldades de diálogo com o ateísmo. Entretanto, dizer que o preconceito vem apenas do lado evangélico não é verdade. O movimento ateu moderno tem investido muito tempo e dinheiro para forçar o seu ponto de vista a outras pessoas. Os cristãos, e os evangélicos em especial, são taxados de "bitolados", "tacanhos", e daí pra baixo, quando ousam defender a sua visão de fé contra pessoas ateias que dizem que acreditar em Deus é uma palhaçada.
Como pastor, conheço inúmeras histórias de pessoas que sofreram este tipo de preconceito por parte de ateus. O meio acadêmico, em especial, demonstra isso. O curso de pós-gradução em História Comparada, por exemplo, não admite a entrada de alunos de Teologia em seu curso, apesar de ser uma matéria que compara diversas disciplinas humanas para estudar o passado (Sociologia e Filosofia entram, por exemplo). Não só isso, pesquisadores teólogos precisam sempre defender a cientificidade da disciplina em debates sobre temas afins à Teologia, como ecologia e sustentatibilidade. Já ouvi histórias de alunos universitários ofendidos ou ridicularizados por professores ateus por ousarem dizer que discordam da visão ateia da vida e da humanidade. Recentemente, até mesmo uma monografia foi recusada em um curso da Universidade Rural de Pernambuco por conter um agradecimento a Deus (a monografia não foi considerada um "trabalho científico" por causa disso).
A grande dificuldade do movimento ateu com o cristianismo é que, por não crerem em sua existência e por adotarem uma visão positivista da realidade, não admitem que qualquer manifestação ostensiva sobre Deus ou sobre religião. Por isso surgiram moções como a retirada dos crucifixos e símbolos religiosos do Congresso Nacional (apesar da Constituição mencionar Deus em seu preâmbulo) no Brasil e a extração da Cruz de metal do World Trade Center, em Nova Iorque, nos EUA. Não admitem visões opostas à sua postura de "não-fé", e, por isso, sentem-se confrontados, intimidados e amedrontados com a visibilidade da fé e esperança dos outros.
A moral da história é que, se temos que falar em tolerância religiosa, devemos falar de tolerância em todos os âmbitos da sociedade. Isso significa dialogar com cada visão, sem agressividade ou menosprezo. Isso significa admitir que cada lado exponha a sua postura e que cada lado tenha seus postulados criticados. Ciência, segundo Karl Popper, é o conhecimento que admite ser falseado. Se não houver esta possibilidade, não é conhecimento científico. Por isso a Teologia é uma ciência: Ela admite ser falseada, mas também se reserva ao direito de defender seus postulados. E por isso o Ateismo, enquanto não admitir ser falseado e não abrir o diálogo da "não-fé" com a "fé", sem preconceitos, não tem como ser respeitado como uma posição honestamente tolerante, religiosamente falando.
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