Quem dirige pelas ruas, avenidas e estradas do Brasil sabe do que irei falar agora. Quem não dirige, porém, pode não entender. O fato é que não há nada mais frustrante para um motorista de trânsito do que ver pessoas se aproveitando das brechas e boa vontade dos outros para chegar mais rápido aos seus destinos, muitas vezes rasgando o Código de Trânsito no processo. Motoristas entrando na contramão para evitar voltas maiores para chegar a seus prédios, motoqueiros dirigindo pela calçada no trânsito, caminhonetes andando pelo acostamento durante os intermináveis engarrafamentos de início de feriadão. Muitos são os casos, não são poucos os que cometem estas infrações.
O fato é que, em nosso país, vemos uma incidência cada vez maior dessas infrações porque, a cada dia que passa, o povo está mais interessado em fazer o que lhe dará vantagem sobre os outros, ignorando a possibilidade de causar um mal a terceiros. O motorista que anda pela contramão ignora a possibilidade de um motorista correto, desavisado, acertá-lo de frente. O motoqueiro abstrai do fato de que pode haver pessoas caminhando distraídas no local. A caminhonete não percebe que, em caso de acidente, um veículo de resgate vai levar muito mais tempo para chegar ao seu destino porque a via de emergência está ocupada. Ninguém se importa com o outro. Olhamos apenas para nós mesmos, o que vale é aquilo que irá me fazer bem, me trazer benefícios imediatos.
Infelizmente, com a teologia cristã contemporânea, atravessamos uma fase semelhante. Vivemos na era da Teologia da Bandalha, onde o cristão procura atalhos para satisfazer as suas crises e anseios com relação ao seu relacionamento com o mundo e com o sagrado. Para que viver em santidade, se há igrejas onde não se exige uma conduta de vida digna do cristão? Para essas comunidades, Deus já concedeu ao homem poder de exigir, em nome de Jesus, que o que ele deseja aconteça, seja saúde, amor ou dinheiro. Basta ter uma promessa ou declaração qualquer no texto sagrado que lá vem o pregador e diz para você tomar posse daquela palavra, transformá-la em uma “palavra rhema” em sua vida (bandalha maior que esta, não há).
As bandalhas na caminhada cristã contemporânea são incontáveis: casais decidem ter relações antes do casamento porque estão vivendo “relacionamentos sérios”. Pais batem em filhos ou os ignoram porque acham que a escola ou a igreja devem dar a educação correta para eles, eximindo-se, assim, de suas partes. Maridos traem suas esposas porque acham que receberam uma “revelação divina” ordenando-os a fazê-lo. Empregados denigrem seus testemunhos profissionais para serem demitidos e receberem a multa do FGTS. Empregadores humilham seus funcionários, explorando-os até a última gota de suor. E por que? Porque pessoas vivem vidas de pecado, achando que já estão perdoadas pelo sangue de Jesus. Ao fazer isso, rasgam o código de conduta do cristão, a Bíblia, interpretando-a alegoricamente, sem nenhum rigor ou regra.
A maior bandalha que vemos hoje, porém, é a dos pastores que pregam a vida cristã fácil, do “toma lá, dá cá”. São em geral pessoas que possuem vidas de bandalha, não tendo passado por seminários sérios (ou mesmo qualquer tipo de educação teológica), não se submetendo ao crivo de uma liderança espiritual e governamental de uma denominação, que se separam de suas comunidades porque desejam, em um acesso megalomaníaco, ter os seus ministérios (como se o ministério não fosse de Cristo). Falsos profetas, que vendem uma espiritualidade barata, onde o fiel não precisa de nada além de dar o dízimo para poder exigir suas bênçãos, como se fizesse um download de dádivas materiais do site celestial, como disse certa vez o Pr. Isaltino Gomes Coelho Filho. E para que? Apenas para lotarem seus templos, arrecadarem milhões e usufruírem de estilos de vida nababescos às custas daqueles que buscam o melhor atalho para as bênçãos dos céus.
O fato é que, igual aos motoristas que arriscam a vida de si mesmos e dos outros no trânsito ao fazerem barbeiragens, assim é com aqueles cristãos que envergonham o nome do evangelho praticando uma vida de excessos, vícios e oba-oba, vivendo um cristianismo de troca, comercial, onde o que importa é o indivíduo se dar bem, ter o melhor carro, a melhor casa, as melhores roupas. Assim como aqueles motoristas, esses cristãos não demonstram amor ao próximo, falhando em perceber que, no rastro de suas vidas pecaminosas, trazem o sangue de inúmeras pessoas que não aceitam o evangelho por seus escândalos ou por terem sido traídos ou abandonados por suas comunidades, não conquistando aquilo que elas vendiam.
Para conseguirmos vencer a vontade de entrar pelos atalhos da vida, precisamos parar de olhar para nossos umbigos e prestar atenção naqueles que estão à nossa volta. Precisamos lembrar que Jesus veio não para dar bênçãos materiais, mas para dar vida a nós. Uma vida abundante, não de riquezas, mas de felicidade, paz e harmonia. Somente quando quebrarmos este paradigma, poderemos sonhar em fazer a diferença em nossa sociedade.
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