KESSLER, Rainer. História Social do Antigo Israel. Trad. Haroldo Raimer. São Paulo: Paulinas, 2009.
Recontar a história de Israel sob uma perspectiva diferente da tradicional. Esta é a intenção de Rainer Kessler ao escrever sua História Social do Antigo Israel. Ao longo de 240 páginas, o autor explora os conhecimentos adquiridos das ciências modernas sobre o Levante Sul para desenvolver uma visão minimalista da criação e evolução do Estado Israelita, correndo a história desde o surgimento da população hebraica na região da atual Palestina até o período de dominação helenista da região.
Para iniciar seus trabalhos, Kessler faz uma longa introdução, apresentando a ciência da história social, caracterizando-a como uma parte da historiografia que tem como objeto a forma (Gestalt) da sociedade a ser analisada. Ele alerta que a forma da sociedade é mutável ao longo do tempo, porém define que a História Social trabalha a forma de uma sociedade em seu ambiente histórico. Ao mesmo tempo, o autor caracteriza a história social como um método exegético, pois ele apresenta um novo enfoque sobre o texto bíblico: Os interesses sociais por trás de sua confecção.
A partir da definição do que é a História Social e qual é seu objeto, o autor caracteriza este, notando que a história dos eventos e a evolução da sociedade estática no tempo dinâmico são mutuamente importantes, mas que a História Social preocupa-se mais com as estruturas que a sociedade analisada assumiu em seus momentos de estabilidade. Após isso, o autor qualifica o signo “Sociedade”, apresentando-o como um conjunto de instituições relacionadas e inseridas em épocas bem definidas.
Após apresentar um breve histórico dos autores e estudiosos que desenvolveram seus campos de pesquisa nesta área, o autor introduz os métodos da história social de Israel, distinguindo-os em quatro: Análise do ambiente (geográfico e histórico) da sociedade analisada, estudo das heranças materiais deixadas pelo povo estudado (arqueológicos e epigráficos), análise das narrativas bíblicas sobre o período estudado e a busca de analogias à situação estudada, com a pesquisa das sociedades no entorno de Israel, estudo etnológico da sociedade e composição de categorias sociológicas com base nos achados anteriores.
Após introduzir a ciência e seus métodos, o autor passa a construir a sua História Social de Israel, estudando as suas diversas épocas constitutivas. Para seus estudos, o autor parte do período do Bronze Recente (1550 a 1200 a.C.) e desenvolve a história de Israel em seis fases: o seu nascimento como uma sociedade de parentesco, a evolução do Estado primitivo ao Estado desenvolvido em Israel e Judá, a formação de uma antiga sociedade de classes, o Exílio e suas consequências sobre o povo, a sociedade provincial no período persa e a convivência e forma do povo no período helenista.
O autor inicia seu trabalho sobre o estudo da História de Israel analisando o seu nascimento como uma sociedade baseada no parentesco. Para isso, o autor analisa as características da sociedade canaanita a partir da idade do Bronze Recente, como uma sociedade formada por diversas cidades-Estado, independentes porém convivendo tensamente entre si, com períodos de cooperação e outros de concorrência. O colapso desta sociedade teria levado a um posterior repovoamento, com pessoas de diferentes origens e por um longo período, em um processo evolucionário
Após estudar as possíveis origens do povo hebreu, o autor analisa suas estruturas. Inicialmente, ele entende que a melhor nomenclatura para a fase pré-estatal de Israel seja a de sociedade baseada em parentesco. Ele compreende a estrutura social familiar da época a partir do eixo Israel-Tribo-Clã-Casa-Homem, apresentado nos relatos de Js. 7,14-18 e 1 Sm. 10,18-21, com uma identificação baseada na adoração a YHWH e a uma consciência genealógica de ancestrais em comum, liderados por um sistema plural (anciãos) e ocasionalmente singular (os juízes, líderes carismáticos levantados para solucionar questões pontuais).
Após esta análise, o autor trabalha o desenvolvimento dos Estados de Israel e Judá, comentando que nesta fase é finalmente possível elaborar uma história dos eventos da grandeza com a qual o nome Israel está vinculada. Inicialmente, o autor descreve brevemente o relato bíblico da história de Israel, desde o reino unido de Saul e Davi até a divisão dos reinos e a destruição de Israel pelos Assírios no final do séc. VIII. A seguir, o autor divide o estudo do período em três partes, utilizando-se de fontes historiográficas e arqueológicas para tal: O surgimento do Estado (com uma teoria contrária à apresentada em 1 Sm 8), a sociedade sob domínio monárquico e o perfil do reinado israelita e judaico.
Depois de estudar o desenvolvimento dos Estados de Israel e Judá, o autor trabalha a formação de uma antiga sociedade de classes, posicionando esta formação no período entre a queda dos dois reinos (722 a 586 a.C.). O autor mostra como, neste período, começa a haver uma maior diferenciação entre grandes e pequenos economistas agrários, levando eventualmente à escravidão dos mais pobres pelos mais ricos. Isso leva a críticas severas de homens que se portam como porta-vozes de YHWH (os profetas), mostrando a relevância e abrangência dessas relações, e a eventuais intervenções para impedir um colapso da sociedade, como a criação do direito e atos reais para dirimir injustiças.
Após estudar esta fase, o autor trabalha o período do exílio e suas consequências para a organização da sociedade israelita. Ele nota que a elite do povo acabou caminhando para o exílio, seja por imposição dos babilônios, seja por vontade própria, enquanto que a população da terra foi deixada no local, sendo governada por líderes babilônios, o que a levou a tomar posse das terras dos poderosos. Inicialmente, a terra teria ficado desolada, porém, com o tempo, o povo se estabeleceu e conseguiu viver bem debaixo da nova liderança babilônica.
A seguir, o autor trabalha o período persa da história de Israel, comentando a história do Levante Sul desde Ciro até Alexandre. O autor nota o surgimento da rivalidade Samaria-Yehud e mostra como os moradores da província de Judá não eram totalmente judeus (assim como nem todos os judeus foram morar em Yehud), o que provocou o surgimento de casamentos mistos no seio da sociedade judaica.
Ele também mostra como a quebra de famílias devido ao aumento da escravidão dos pobres por parte dos mais ricos e a volta da elite para a terra, encontrando-a ocupada pelo “povo da terra”, contribui para um acirramento do relacionamento entre elite e povo e a uma quebra da sociedade familiar, gerando o mecanismo das listas genealógicas para identificação de pertença do homem com a grandeza Israel. É também nessa fase que, segundo o autor, o sumo sacerdote passa a ter sucessão dinástica, assumindo a figura do rei.
Por fim, o autor trabalha o período de dominação helenista, mostrando o desenvolvimento da sociedade judaica nesta fase. O texto mostra o surgimento das províncias da Judeia, Samaria e Galileia, a associação da elite com o povo helênico e da ligação maior do povo com os escritos judaicos, levando ao surgimento, respectivamente, dos grupos religiosos dos saduceus e fariseus, o acirramento de contradições sociais, com o surgimento de grandes famílias que buscavam o domínio do posto sacerdotal através de violência ou subornos e a miserabilização da população pobre.
O livro em si é extremamente bem conduzido em sua redação. Com linguagem simples, porém não simplista, o autor consegue passar perfeitamente o conteúdo que deseja, mesclando com maestria o relato bíblico com as descobertas arqueológicas e historiográficas. Vale ressaltar que o autor trabalha sob uma perspectiva minimalista moderada, o que faz com que sua leitura do texto bíblico seja heterodoxa. Isso, porém, não invalida seu esforço de construir uma história social de Israel.
No total, a obra de Reiner Kessler é um excelente esforço de pesquisa e concisão do conhecimento histórico atual e traz, certamente, uma nova luz sobre a história do povo judeu, desde sua formação até a época do Novo Testamento. A evolução das grandezas sociais do povo ajuda a compreender a situação do Levante Sul na época de Jesus e, por isso, merece ser lido e estudado por todos os estudiosos da Bíblia e cientistas sociais.
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