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domingo, 5 de junho de 2011

RESENHA: O que é o Islã - Melanie Miehl

MIEHL, Melanie. O que é o Islã? Perguntas e Respostas. Trad. Nélio Schneider. São Leopoldo: Sinodal, 2005.

Entender um povo mal-compreendido. Esta é a proposta do livro O que é o Islã, escrito pela pesquisadora Melanie Miehl num sistema de perguntas e respostas que visa destruir todos os preconceitos formados a respeito do povo que professa a religião de Maomé e que procura seguir seus preceitos em sua vida diária. Entender seus costumes, sua história e sua sociedade torna-se vital nos dias de hoje, caso haja um desejo de se formar um diálogo entre muçulmanos e cristãos em nossa sociedade.

O livro possui um formato de perguntas respondidas em ordem alfabética em alemão, com alguns termos chaves sendo utilizados na ordenação. Com isto, a didática fica um pouco desconjuntada. Entretanto, a impressão que passa é que a intenção da autora foi de justamente criar um livro menos didático e mais dinâmico para leitura, algo que ela consegue com maestria. O formato de textos curtos, com perguntas respondidas em, no máximo, duas páginas, dá uma agilidade ao livro que o torna agradável e intrigante.

As perguntas do livro podem ser divididas em cinco categorias de interesse ao leitor, que facilitam também a pesquisa acadêmica: Categorias históricas, sociais, doutrinárias, religiosas e culturais. Todas elas, quando analisadas, apresentam a visão da autora sobre o povo islâmico, que pode parecer apologética a princípio, porém mostra um zelo e carinho da própria autora com seu povo pesquisado.
As perguntas de caráter histórico são apresentadas pela autora para explicar ao autor como o islamismo de hoje se desenvolveu. Para tal, ela responde perguntas sobre Maomé, sua esposa Aisha e os primeiros califas, ou líderes, do povo islâmico. Os conflitos entre os diversos partidos após a morte do Profeta e a formação, a partir destes, dos grupos sunita e xiita, são bem elucidativas e pertinentes para os dias de hoje, bastando lembrar dos conflitos no Iraque entre a maioria xiita e a minoria sunita. Nesta categoria, também entram questões sobre grupos dissidentes, como a Ahmadia e os alevitas, e grupos místicos, como os sufistas.

Ligada intimamente à história do islã estão algumas perguntas de caráter doutrinário, em especial as perguntas sobre Adão e Abraão, considerados profetas pelos islâmicos. O livro mostra como o islã também se utiliza destas figuras hebraicas para explicar sua cosmovisão e mito fundante. A explicação sobre a origem do povo árabe a partir de Ismael também é importante e explica ao leitor a origem dos conflitos entre árabes e israelitas.

Dentro das perguntas doutrinárias, também são interessantes as explicações sobre questões como céu, inferno, pecado, morte, vida, predestinação, anjos e demônios, soberania e unidade de Deus, dentre outras. Tais questões apresentam-se muitas vezes de formas semelhantes na religiosidade cristã, bastando ver a pergunta onde se fala sobre Shaitan (Satã). As diferenças entre os credos cristãos de islamitas também são ótimas para se entender este povo, como a questão do pecado original e a questão dos djinns como outro tipo de ser celestial.

Outras questões religiosas que são levantadas de forma bem detalhada pela autora são os acessórios da religiosidade islâmica. O Corão, os hadith, ou livros sobre a vida do profeta, até a forma como se constitui uma mesquita e uma escola de direito islâmico, são questões que ajudam o leitor a se imergir no islã como religião de forma bem viva e eficaz, explicando as imagens que muitas vezes são exibidas em flashes de notícias e documentários.

Talvez as perguntas mais interessantes do livro, no entanto, são as perguntas de caráter sócio-cultural, pois talvez seja o choque cultural entre cristãos e muçulmanos o maior problema para o diálogo entre os grupos, nos dias de hoje. Explicações sobre o ramadã, os costumes de vestimentas e moradia, a importância da hajj para um islamita, a questão das orações voltadas a Meca e da alimentação são questões vitais para um islamita, jamais devendo ser menosprezadas por nosso povo ocidental.

As questões sociais do islamismo também são muito bem apresentadas e detalhadas pela autora. Ela explica desde questões simples como nomes islâmicos até questões controversas como direitos humanos e direitos femininos, mencionando até a questão da poligamia. Por fim, mas não menos importante, a forma como o islã vê cristãos e judeus como “povos do livro” explica bastante a visão daquele grupo sobre estes e ajuda a complementar as questões do livro.

Relendo o livro para estudar a linguagem da autora, ela muitas vezes defende o povo islâmico dos preconceitos ocidentais, de que o povo islâmico é um povo fundamentalista. Às vezes ela usa bons argumentos para tal, como o fato de haverem diversos islamismos e o fato do Corão mostrar um certo respeito e mesmo possibilidade de redenção para os povos do livro. Entretanto, em outros momentos, a autora se utiliza de argumentos fracos, como a idéia de que o cristianismo criou o conceito de fundamentalismo no final do séc. XIX e início do séc. XX, esquecendo a essência do termo, que é uma visão cega e acrítica das escrituras sagradas, algo que é uma proposta fundamental do islã, a ponto do grupo afirmar que o Corão é a única forma pura de texto sagrado existente, tendo sido transmitido ipsis literis ao profeta e com uma cópia do mesmo estando guardada no céu.

Em todo caso, tirando alguns momentos de defesa, em especial da expansão do povo islâmico nos séc. VII e VIII, o livro mostra-se como uma bela e elucidativa leitura a respeito dos diversos aspectos da cultura e religiosidade muçulmanas, e mesmo as defesas sobre a expansão do povo islâmico ajudam a vê-la em outra ótica, menos etnocêntrica.

O fato é que a proposta da autora era a de justamente apresentar o islã pela perspectiva islâmica, conseguindo alcançar este feito de forma marcante e competente. Certamente é uma leitura altamente recomendável para pessoas interessadas em entender mais sobre a religiosidade islâmica, desde curiosos leigos até estudiosos do campo das ciências da religião.

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