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sexta-feira, 13 de maio de 2011

Revelação Especial (Instituto da Bíblia - Aula 3/5 - Base Histórica)

Assim como a temática da revelação geral, a revelação especial também foi tema de discussão dos teólogos desde o início da Igreja:

Pais da Igreja: Desde o início da igreja, os teólogos precisaram defender a fé cristã dos movimentos heréticos, como o movimento gnóstico e outros. Desde o começo, os pais da igreja se utilizavam da Bíblia para defender suas posições. Usavam isso porque acreditavam que tanto o Antigo Testamento quanto os novos escritos que estavam surgindo eram inspirados por Deus, e por isso eram os únicos escritos com total autoridade e veracidade para defender a fé da igreja. Justino de Roma (não é Justino Mártir) costumava apresentar citações do NT com a expressão “está escrito”, dando autoridade a eles.

O problema surgiu quanto estas seitas heréticas começaram a apresentar defesas de suas visões também baseando-se na Bíblia. Por exemplo, Marcião, defensor da ideia de que o Deus dos cristãos era completamente diferente do Deus dos judeus e não poderia fazer “maldades”, criou um cânon de escrituras inspiradas, baseando-se em João, as epístolas paulinas e Hebreus (Marcião defendia que Hebreus tinha sido escrito por Paulo).

Pensando em combater esta situação, Ireneu (130-202) defende que, além das Escrituras Sagradas, a doutrina da igreja seja regida pela Tradição da Igreja, ou seja, a interpretação historicamente reconhecida das escrituras por parte dos apóstolos e seus discípulos posteriores (os Pais Apostólicos). Irineu, diga-se por sinal, foi educado por Policarpo (69-155), tendo trabalhado muito com o pensamento de Policarpo para defender a igreja das heresias da época. Porém, há estudiosos que defendam que Ireneu apenas usou a Tradição da Igreja como apoio para a defesa das doutrinas da Igreja contra as heresias e que, para ele, a Tradição da Igreja era confirmada e derivada das escrituras.

Foi também Ireneu que começou a falar livremente em um “Novo Testamento”, em paralelo com o Antigo . A partir daqui, a nomenclatura de Novo Testamento para os escritos apostólicos tornou-se comum, baseando-se no texto de 2 Co. 3.14, quando Paulo designa as escrituras judaicas de “Antiga Aliança”.

A importância dada pela igreja aos escritos apostólicos chega ao ápice em Agostinho, que fala em diversos momentos sobre a importância das escrituras para ele, como “O que a minha escritura diz, eu digo” e “Estes livros são obra dos dedos de Deus. Foram compostos por inspiração do Espírito Santo aos santos”.

O grande problema para a defesa da fé cristã no começo da igreja era saber quais eram os livros que deveriam ser utilizados para a defesa da fé cristã. Os apóstolos não deixaram uma lista de livros considerados inspirados por Deus, por isso houve uma certa confusão no começo da igreja sobre quais livros deveriam ser considerados inspirados e quais deveriam ser descartados. Sabemos, hoje, que centenas de livros foram escritos com base na história de Cristo ou dos apóstolos. Porém, apenas alguns foram considerados verdadeiramente inspirados, e mesmo assim houveram controvérsias em vários momentos, devido aos critérios a serem adotados.

Hoje, sabemos que as epístolas paulinas só foram reunidas no final do primeiro século, enquanto que os evangelhos de Mateus, Marcos e Lucas foram reunidos por volta de 150. Depois deste momento, em várias fases da igreja tivemos tentativas de formar um cânon, um grupo de livros inspirados por Deus:

200: Cânon Muratoriano (usado pela Igreja de Roma no seu começo): Não tinha Hebreus, 1 e 2 Pedro, 3 João, continha Apocalipse de Pedro e Sabedoria de Salomão. Além disso, para uso reservado, não em culto público, recomendava-se a leitura de “O Pastor de Hermas”.

250: Orígenes: Não tinha 2 Pedro, 2 e 3 João. De autoria disputada: Hebreus, Tiago, 2 e 3 João, Judas, Pastor de Hermas, Epístola de Barnabé, Didaquê, Evangelho aos Hebreus.

300: Eusébio de Cesaréia: Igual ao de Orígenes. Apocalipse posto em dúvida. Disputados, mas bem conhecidos pela igreja: Tiago, 2 Pedro, 2 e 3 João, Judas. Excluídos: Pastor de Hermas, Epístola de Barnabé, Evangelho aos Hebreus, Apocalipse de Pedro, Atos de Pedro, Didaquê.

400: NT reconhecido pelo Ocidente no Concíio de Cartago: Nosso cânon atual.
Os critérios de reconhecimento da inspiração de um livro foram: Apostolicidade, Reconhecimento de sua autoria pela igreja primitiva, Harmonia com os livros sobre os quais não tinham dúvidas.

Igreja Católica: Para a ICAR, oficialmente, Deus se revelou através dos profetas, apóstolos e Jesus Cristo nas Escrituras Sagradas, que são inerrantes. Porém, devido ao surgimento de diversas doutrinas estranhas (como o purgatório, por exemplo), a Igreja teve que se justificar, e o fez criando a ideia da Tradição Oral Apostólica, que seria um grupo de ensinos não-escritos dos apóstolos, que a Igreja teria adotado e mantido mediante a sucessão de Pedro e Paulo aos bispos posteriores de Roma. Esta tradição, apesar de “apostólica”, tem sua autoridade regida pela igreja, formada por seus bispos em comunhão com o sucessor de Pedro, o bispo de Roma (o papa).

O efeito prático disso, segundo Ferreira , é que o magistério da igreja católica se torna a autoridade final. “O povo católico é obrigado a crer que o que essa igreja diz é a verdade. Em vez de sola scriptura, a prática católica é sola ecclesia. Isso apesar de reivindicar que ela é serva da revelação de Deus”.

Eventualmente, em reação à Reforma Protestante, a Igreja Católica se reuniu em 1545, na cidade de Trento, onde tomou diversas decisões para combater os novos ensinos de Lutero e outros. No tocante à revelação especial, especificamente, a ICAR afirmou que a versão latina da Bíblia, a Vulgata, era suficiente para quaisquer debates a respeito da fé, e aceitou como inspirados os chamados “livros deuterocanônicos”, que aparecem hoje na versão católica da Bíblia.

Reformadores e Tradição Evangélica: Lutero trouxe de volta a ideia de que a Bíblia era a única e suficiente fonte de autoridade para formação das doutrinas da igreja. Para dar ao povo a chance de aprender sobre Cristo sem ter que passar pela igreja, iniciou um audacioso projeto de tradução da Bíblia, porém o fez a partir dos textos originais hebraico e grego, completando sua versão alemã da Bíblia pouco antes de falecer.

Além da tradução da Bíblia ao alemão a partir dos idiomas originais, Lutero combateu a hermenêutica católica tradicional, chamada de Alegoria. Esta forma de interpretação da Bìblia ditava que o texto tinha segregos que iam além do que o texto dizia e que cabia à Igreja dizer onde estavam estes segredos. Daí surgiu, por exemplo, a ideia de que Cantares era um livro profético do casamento de Cristo com sua noiva, a Igreja. Para Lutero, o centro da interpretação da Bíblia deveria ser Cristo.

Sobre a correta interpretação das Escrituras, Lutero baniu a ideia de um líder ou um colegiado unicamente capazes de interpretar a Bíblia, afirmando que o texto sagrado era claro o suficiente para ser entendido, e que o Espírito Santo poderia guiar a pessoa no processo de interpretação individual da Palavra de Deus. Calvino concordou com esta ideia, afirmando que a Bíblia tinha sua autoridade confirmada no interior do homem pelo próprio Espírito Santo. Porém, ele combateu a noção anabatista de que o poder do Espírito poderia substituir a Palavra Escrita.

Pensamentos posteriores:

Ceticismo iluminista e liberalismo moderno: Não há como haver revelação especial, nem há necessidade nela. Os milagres são impossíveis, logo uma revelação divina também seria. Segundo Hume, as leis da natureza são absolutas e invioláveis. Kant, por outro lado, afirma que Deus existe numa esfera diferente da nossa e não há comunicação entre a Sua esfera de existência (o númeno), e a nossa. Já no séc. XIX, filósofos como Feuerbach, Freud, Marx e Nietzsche negaram a própria existência de Deus.

Neo-ortodoxia: Barth refuta uma inspiração “literal” da Bíblia, defendendo uma inspiração “verbal” no sentido de ser testemunhada pelo Verbo, Jesus. Porém, as palavras de Deus não teriam equivalente humano, por isso não poderiam estar contidas na Bíblia. Ele teria, porém, inspirado homens a escreverem os escritos sagrados. Ele também afirma que a Bíblia é autoridade por uma questão de confissão, de fé.

Fundamentalismo e a inerrância: Em uma resposta extremada ao movimento liberal, o movimento fundamentalista americano defendeu, no começo do séc. XX, a inerrância literal da Bíblia, ou seja, que não havia nenhum erro em qualquer linha da Palavra de Deus, seja teologicamente ou cientificamente. Para eles, esta era uma questão de fé.

A questão da inerrância foi debatida extensamente ao longo do séc. XX, com alguns defendendo que a Bíblia era literalmente inerrante e outros defendendo que ela era inerrante somente em seus ensinos salvíficos.

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