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quinta-feira, 15 de março de 2012

Diários de um pastor: Lembranças da colina

Ontem, estive no Seminário Teológico Batista do Sul do Brasil fazendo uma comunicação sobre a pesquisa que levou ao surgimento de meu primeiro livro, "Nazismo e Cristianismo". Foi uma ótima oportunidade de testar os nervos, afinal, falar para um grupo de estudantes de teologia nunca é fácil. Vários pastores consagrados implodiram, nervosos com os olhares fulminantes que recebiam quando falavam algo errado por falta de preparo ou pesquisa. No meu caso, como não foi pregação, mas uma comunicação acadêmica, foi mais fácil, então os feedbacks foram muito positivos. Graças a Deus, louvado seja o Seu nome!

Durante o evento, os professores e funcionários passaram um formulário onde os alunos podiam escrever, em breves palavras, algumas de suas lembranças da colina, momentos que eles viveram ou estavam vivendo naquele momento. Como um ex-aluno de graduação e atualmente aluno da pós, pude parar um minuto para pensar na vida, no passado e no presente, e me lembrar de alguns momentos que marcaram meu coração. Cito alguns deles aqui:

1. A chegada: Meu primeiro dia de aula foi terrível. Era também meu primeiro dia de trabalho numa empresa e saí de lá cedo. Cheguei no seminário duas horas antes. Passei mal de nervoso. Quando chegou o horário da aula, fiquei esperando para ver os rostos de meus novos colegas. Alguns me surpreenderam, como um que chegou na sala de chinelo de dedo, bermuda folgada e uma pavorosa camisa do Palmeiras. Era morador do 19, é claro (quem tem ouvidos para ouvir, ouça). Outros, faziam mais o papel do estudante novato de teologia: Arrumado, bíblia debaixo do braço e pronta para ser aberta. Isso quando precisava, pois muitos faziam questão de argumentar com textos bíblicos decorados. Coisa de calouro de teologia: Tem que mostrar que é crente. Depois de um tempo, as coisas se equalizaram e nossa turma se uniu de uma forma impensável. Hoje, todos mantemos contato e nos visitamos, ocasionalmente.

2. O banho frustrado: O trote era algo tradicional no Seminário do Sul. Coisa leve, só levar o povo para o pátio, rezar umas ave marias e levar um baldinho d'água na cabeça. Dessa escapei, pois não morava no local (imagina pegar ônibus todo ensopado - o amor ao próximo prevaleceu). No final do ano, porém, havia outro: O batismo do calouro. Feito nos últimos dias de aulas, a galera do 4º ano saía correndo pelas salas, tentando pegar alunos dos anos anteriores para "batizá-lo" no pátio. Nunca pensei que sentiria terror ao ouvir "Glória, glória, os anjos cantam lá" ao fundo. OK, brincadeira, não senti nada. Porém, aqueles alunos caíram na asneira de passar na sala no dia em que uma professora bem cri-cri dava aula pra gente. Resultado: A barulheira a impediu de dar aula e ela resolveu trancar a porta com uma cadeira! Os veteranos tentaram invadir, mas ela simplesmente resolveu barricar a porta com os próprios braços. Cena peculiar, tendo em vista seu franzino porte. No final, ela abriu a porta, pagou o maior sermão pros veteranos e mandaram eles embora. Tiveram que se contentar com um "batismo de asperção", jogando uns pingos d'água no pessoal das primeiras cadeiras. Sorte minha que sempre sentei longe da porta...

3. A tradição quase esquecida: Primeiro dia de capela. Culto lindo, com hinos que não ouvia há anos (sou membro de uma igreja mais moderninha, onde hino raramente é tocado, porém nasci na PIB do RJ, ao som de órgão de tubos e corais graduados a cada culto). Logo em seguida, veio um belo coro fazer uma participação especial. Tudo lindo, beleza. Então, a surpresa: O som de várias pessoas fazendo "ssssssssssssssssssss" com as línguas no palato. Não entendi nada. Eles estão mandando alguém calar a boca? Deixei quieto. Veio a mensagem do orador, perfeita. Ao final, o som novamente: "ssssssssssssssssss". Aí minha curiosidade atacou. Perguntei pro colega ao lado o motivo, e ele explicou: "É porque não pode bater palmas, então o som, preventivo, subsititui o gesto". Ah, agora entendi. E ri comigo mesmo. Afinal, ambos os gestos eram um reconhecimento ao ato, então um não deveria poder substituir o outro. Hoje, raramente se ouve tal som na capela. Só após mensagens pregadas. As palmas são mais frequentes, mas nada "quente" demais.

4. O dia em que o presidente foi "vaiado": Estávamos em uma fase difícil. Seminário no vermelho, quase fechando as portas. Propostas para fechá-lo, sempre houveram. Os motivos, deixo para lá. O fato é que a coisa ficou tão feia que precisou o presidente da Convenção Batista Brasileira ir pedir uma audência com os alunos. Era de manhã, matei trabalho para estar presente. O presidente, homem culto, expôs suas opiniões sobre o problema da casa, dando soluções. O "ssssssssss" veio logo a seguir, mas o homem não gostou. Depois, viemos a saber que ele achou que era uma vaia para ele. Não conhecia a tradição da ausência de palmas, talvez por ter sido aluno do Seminário do Norte. Vários alunos e professores expuseram suas posições a seguir. Defesas apaixonadas e racionais da casa. Após muita briga, sobrevivemos. O viés, hoje, é de alta. Mas, por um momento, por um gesto mal compreendido, quase ganhamos um inimigo eterno.

5. Chuvas e mais chuvas: Somente pude comprar um carrinho no quarto ano. Nos três primeiros, era obrigado a subir a colina, seja a partir do metrô da Praça Saens Pena, seja a partir da Conde de Bonfim. Subir aquele trecho era cansativo, mas subia feliz. Estava cumprindo o chamado do Senhor. Apenas um dia me irritava: Dia de chuva. E enfrentei vários assim. Cheguei a pegar dias em que quase que o guarda-chuvas virou. Chegava ensopado na sala, mas ainda assim disposto a ouvir os professores. No quarto ano, já motorizado, encarei o dia do dilúvio, em abril de 2010, quando as chuvas alagaram o Rio de Janeiro bem na saída do trabalho. Naquele dia, passei pela Praça da Bandeira 10 minutos antes de alagar (por volta das 18 horas). Vendo a intensidade das águas, resolvi que não haveria condições de ter aulas e fui pra casa. Sorte a minha: Vários colegas e professores ficaram ilhados no Seminário e tiveram que pedir para se acomodarem nos quartos dos internos. Outros tentaram voltar e ficaram presos no trânsito até pela manhã. Valeu a pena matar a aula, naquele dia.

6. O prêmio extinto: Em 2007, em um dia na capela, descobri que o Seminário premiava os melhores alunos de cada curso (Teologia, Pedagodia e Música). Achei legal, decidi trabalhar com a meta de conquistar um daqueles prêmios. No primeiro ano, consegui o terceiro lugar de Teologia. Contente com a nota, resolvi dobrar meus esforços para buscar o primeiro lugar geral em 2008. A nota subiu, as chances eram boas... Mas, para minha surpresa, não houve a premiação. A casa já estava no vermelho. 2009 e 2010 aconteceu a mesma coisa. Não recebia nada de valor, apenas alguns livros e uma bela Bíblia. Mas o reconhecimento era legal.

7. O mestre que se foi: Meu primeiro período foi especial. Tive aulas com vários professores de calibre. Um deles foi o Prof. Darci Dusilek, que nos deu aula de História da Formação da Bíblia. Aula com transparência (já na era do datashow), mas muito interessante. Era um homem de fala mansa, até demais, nos obrigando a sentar bem próximo dele para ouví-lo. Porém, era um prazer assistir suas aulas. Esperava ter mais aulas com ele, porém ele foi promovido à glória no semestre seguinte, durante uma palestra em outro local. Foi-se o mestre, ficou o gostinho de "quero mais".

8. A prova de fogo: Nosso professor de grego era muito bom, porém pegava pesado nas provas. O segundo período me deu medo, pensei que não conseguiria passar por grego e hebraico. Quando veio a primeira prova de grego, tive certeza de que teria problemas. A nota foi baixíssima (3,0). A turma inteira afundou. Para as provas seguintes, a galera teve que se virar. Foram vários grupos de estudo formados para tentar passar, um ao outro, o conteúdo da matéria. Graças a Deus, consegui nota para passar, mas alguns colegas ficaram e tiveram que correr atrás do prejuízo para se formarem conosco. Acho que a ajuda que um deu ao outro fortaleceu muito os laços entre nós.

9. Havia uma lula entre nós: Toda turma de seminário possui alguns alunos marcantes. Em geral, são aqueles que não entendem que, numa faculdade, você precisa estudar todos os viéses possíveis de estudo do texto, para se apropriar do que você entende ser o certo com a cabeça tranquila. Um, em especial, era terrível. Folgado, se achava "o" crente. Acima do bem e do mal, desprezava tudo o que era ensinado. Chegou ao ponto de entregar um trabalho final totalmente copiado da internet (com link de "voltar" e tudo. Eu vi com meus próprios olhos). Nas últimas semanas, porém, alguém viu a semelhança do cara com o "Lula Molusco", do Bob Esponja. Foi receita para o desastre: A turma inteira caiu em cima dele, encarnando nele sem parar. Foram duas horas (um professor faltara a aula) zoando o cara non-stop, até ele se estourar e soltar uns impropérios (o que fez todos rirem ainda mais). O cara nunca mais voltou. Dois períodos foram suficientes para ele. Fiquei depois sabendo que ele abandonou o meio batista e virou pastor de alguma igreja independente. Deixa quieto... :)

10. A despedida: Após quatro anos de aulas, foi dura a despedida. De meros colegas, aqueles homens haviam se tornado tremendos amigos. De trinta e cinco que iniciaram o curso, um remanescente de quinze herois resistiu. Alguns ficaram no caminho por dificuldades financeiras. Outros, por opção. Outros, por falta de uma. Contudo, os quinze restantes sabiam que estariam nos corações uns dos outros, a partir daquele momento. A formatura, realizada na IB Itacuruçá, seria o último dia em que os veria? Já revi vários, depois daquele dia. Uns já pastoreiam, outros aguardam seu momento. Outros estão como eu, auxiliando em alguma igreja, aguardando o dia em que o Senhor os chamará para o ministério pastoral titular. Enquanto o dia não chega, sento e me lembro dos grandes momentos que passamos, as lutas, conversas, trabalhos, bate-papos, tudo mais. Se pudesse, reunia todo mundo numa igreja só. Seria uma baita comunidade, mas seria um desperdício para a obra do Senhor ver tanta gente boa num só lugar. 

São tantas lembranças que fica difícil colocar tudo em um post só. Acho que vou refazer este exercício qualquer dia desses. Que tal? 

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